As minhas ações diziam mais sobre mim do que a minha própria consciência
Havia um véu e ele foi levantado pelos ventos da mudança
Depois que passei a ter a minha própria casa, passei a ter uma compulsão por deixá-la impecável. Carreguei da casa dos meus pais um certo pânico de bagunça. Filha de pais acumuladores, tudo que eu não queria era repetir o comportamento deles e, inconscientemente, acabei indo para outro extremo.
Estava tudo bem (mais ou menos) no início, éramos só eu e o marido, poucos móveis, poucos objetos, afinal, antes de ter uma casa, só tínhamos cada um o próprio quarto. Porém, na convivência a dois, eu fui percebendo a minha necessidade de querer deixar a casa sempre muito arrumada. Uma almofadinha sequer não ficava fora do lugar, eu tinha muito orgulho da casa super organizada.
Com a chegada do primeiro filho, os desafios mais intensos foram surgindo e eu fui percebendo que não ter as coisas no lugar me gerava tensão e ansiedade. Mas era só mais uma pessoa, então ainda dava para administrar e manter tudo no lugar. Me demandava muito energeticamente, porém o prazer de olhar para aquele cenário compensava.
Chega o segundo filho e eu continuei resistindo e não queria abrir mão do que eu achava ser zelo e cuidado. Para mim, aquele era o caminho. Uma casa precisava de ordem, precisava ser ambiente saudável e estruturado. Não sabia eu que aquela estrutura toda tinha um preço alto.
Nasceu o terceiro filho e com ele veio uma dúvida interna e, ao mesmo tempo, a garantia (dada por mim mesma) de que eu continuaria mantendo as coisas do mesmo jeito, que se eu conseguia com dois, com mais um seria tranquilo, quase que a mesma coisa.
Resisti, insisti, me esforcei para continuar dando o meu máximo por esse ambiente visualmente perfeito. Não durou muito e eu caí. Tenho consciência (hoje) de que esse comportamento externo estava querendo me alertar sobre algo muito mais profundo que precisava ser visto com muita honestidade. Existe em mim uma necessidade de controle gigantesca e todo esse excesso de organização externa estava me dando sinais de que o controle era uma grande ilusão.
Era assim com a casa, com o trabalho, com a criação dos filhos, com os projetos de que fazia parte, nas relações familiares, basicamente em todas as áreas da vida eu dava o meu máximo. Após a queda, eu ainda lutei. Queria voltar para aquele lugar seguro, conhecido, mesmo ciente de que era insustentável, queria mesmo era estar perto do que eu era antes, daquela minha versão fortaleza. Muita energia vital foi perdida durante esse período, não conseguir ser quem era me levou a um lugar muito sombrio.
Para sair desse lugar, eu precisava lembrar quem fui, precisava encontrar com a Jannini, que só precisava se preocupar com o seu próprio desejo. O que essa Jannini deseja? O que ela quer para ela nessa nova versão da vida, independente do papel que carrega?
Ainda não tenho uma resposta e fico pensando se seria saudável chegar nela. Talvez seja melhor manter disponível uma página em branco enquanto vou preenchendo um caderno de rascunho com cada experiência nova que estou me permitindo viver quando respeito o desejo de fazer por mim. Quando escolho dizer um não para alguém, simplesmente porque não estou a fim de fazer o que me pedem. Ou no momento em que decido deixar a casa bagunçada, o receio de subir numa moto depois de anos e andar de Uber moto pela primeira vez para ver, pela primeira vez também, o nascimento de tartarugas marinhas de uma espécie diferente das que ajudo a preservar. Foi essa decisão de largar tudo e me aventurar na garupa de um estranho para ver tartarugas-verdes nascendo que fez fecundo esse texto e, ao desejar escrevê-lo, me trouxe a clareza do porquê tenho tido tanta vontade de compartilhar aqui as minhas estórias. Outro dia, volto para contar sobre o trabalho voluntário que faço e o quão importante ele foi ao meu processo de subida.
Aproveito para compartilhar neste post uma mulher selvagem que tem me instigado a escrever. Foi também por conta dessa publicação dela que esse texto saiu.
Conhecer a Verbena tem sido um bálsamo. A escrita dela me inspira e silencia a voz que diz: “você não é boa para escrever”. Recentemente ela criou a Comadreria, um espaço que tem me trazido conforto e proximidade.